Wednesday, January 26, 2011

“What do I look like? The Wizard of Oz? You need a brain? You need a heart? Go ahead. Take mine. Take everything I have.”



O prato está em cima da mesa há horas. Arrefeceu.

A cozinha está mergulhada na penumbra, entrecortada apenas pelos fracos soluços da lâmpada. O frio viscoso que satura o ar rasteja, cola-se-me a cada cabelo, a cada centímetro de pele, como se se alimentasse da pele de galinha que me causa. Tudo me enoja neste ambiente: o chão de linóleo manchado, a mesa de pés ferrugentos, o frigorífico que geme uma agonia rotineira em surdina. E o ruído das patas de ratos sobre o linóleo, que deambulam experimentando as fronteiras do meu redor.

A minha alma está no prato. Agora está fria.
Sentada na velha cadeira, olho para aquela massa amorfa, enegrecida, e o pouco que se move reitera o meu nojo. Não teve sempre este aspecto: os golpes que lhe foram sendo desferidos ao longo do tempo - por outros, por mim! - despojaram-na de pureza e de inocência. Agora está infectada por rancor bolorento e castigo. Emana um cheiro fétido a mágoa e dor e arrependimento. É uma coisa enferma, moribunda, quase parece que respira com dificuldade – cicia e sibila e sussurra. Como todas as coisas enfermas, resiste e debate-se com a ideia e a hora de padecer, mas a sua súplica não me demove. Na verdade, não produz em mim qualquer emoção. Estou vazia. A minha alma está no prato.

Os ratos movem-se com pausas - testam a sua própria audácia e sobem para a mesa. A hesitação é facilmente vencida pela minha indiferença e acercam-se do prato, onde a coisa está cada vez mais inquieta e desassossegada. Eu fico a ver. A primeira dentada é a que vence as barreiras de propriedade. Depois, a cerimónia desvanece-se - apoderam-se dela como se fosse sua, sem acanhamento ou pudor, como se eu ali não estivesse. Comem-na crua e sangrante, rasgando pedaços com uma avidez crescente, imperturbáveis pelos silvos débeis que dela se ouvem. Tampouco a minha presença os incomoda – o meu desapego foi equivalente a oferecer-lhes o que era meu de mão beijada. …Como é que costuma dizer-se? “Dá-se-lhes um dedo, tomam-te logo o braço”?

A indignação interior compele-me a deixar a cadeira, lançando-me sobre a horda que se banqueteia: agarro-os com violência, eles mordem-me os dedos, as mãos, os braços. A dor não me refreia, atiro-os para longe da mesa e chega-me o som dos seus corpos sujos embatendo no chão, guinchos de protesto, patas afastando-se e de novo o silêncio.

Tenho a garganta seca de cedências a mais. A coisa arqueja e geme. Pego-lhe com mãos hesitantes – continua fria, o sangue pinga e um estertor percorre-a. “Não te preocupes... Não deixo que ninguém te tire mais nenhum bocado.”, sussurro. Lá fora a madrugada teima em tardar. Não há pista de luz no horizonte e não, não se aproxima uma epifania matutina. Abro a portinhola do meu peito e acomodo com cuidado o que resta da minha alma lá dentro. Não é grande coisa. Mas é minha.

Tuesday, April 13, 2010

Sabes que mais?... Vai-te lixar!

Vai, vai e foge para onde quer que disseste que ias, para esse sítio chamado longe-de-mim; deixa-me na paz provinciana do fim-de-tarde de Domingo do Bairro. Quero lá saber se estou a fazer uma cena e se toda a gente está a ver! Empurro-te, grito-te que te vás, bato-te com os punhos fechados e viro as costas. Caminho sem olhar para trás e contenho as lágrimas - vou aguentar, oh se vou, pelo menos até virar a esquina; nem sequer deixo que me vejas levar a mão à cara para limpar este rio de que és a nascente. Mais uns passos... Mais um...

Dobro a esquina e desato a correr. O meu lenço cai-me do pescoço e eu não paro para o apanhar. Não sinto as pernas, não sinto as mãos, não sinto o meu coração, NÃO SINTO NADA! Estou anestesiada pela bofetada da tua cobardia e desconsideração! Corro, corro pelas vielas emaranhadas, os meus sapatos ecoando sobre o chão empedrado, gasto e sujo, fintando os estendais pingantes de roupa branca, evitando as poças de água estagnada… Embato abruptamente no gradeamento antigo e ferrugento do miradouro e deixo-me estar assim, por momentos, semi-pendente no abismo da cidade. É tudo calmo e silencioso, visto cá de cima; tudo tão incomplexo e descomplicado. O tempo pára, enquanto estou assim, meia suspensa, mas eu sei que não é por muito tempo - o relógio vai arrancar não tarda e não vai desfazer nada do que foi ou do que é.

…Então recuo. O vento assobia-me nos ouvidos e traça gélidos caminhos na minha face; passo os dedos pelos malares, pelas bochechas, pelo queixo… tenho a cara molhada. Nem sequer me dei conta. Percorre-me um arrepio cruel, acre, corrosivo. Já não estou dormente, já sinto. Esfrego os braços. Não chega. Abraço-me, tentando que a constrição me contenha – ameaço esvair-me por entre os meus próprios dedos, feita líquido, feita água, feita lágrimas inglórias e sabor a fel. Já sinto. Odeio-te. Credo, como te odeio. E a mim. E a nós. Fazes-me mal. Vai, mas vai para longe.

Limpo a humidade da cara, e passo o lenço de papel de baixo dos olhos – tenho a maquilhagem esborratada. Puxo o cabelo para trás e respiro fundo. Está a fazer-se noite. Vou à Baixa: preciso de comprar um lenço.

Tuesday, March 02, 2010

Vive-se melhor a inventar a verdade

“Vive-se melhor a inventar a verdade todos os dias, dizem-me. Faz de conta que não morres. Faz lá.” - Inês Pedrosa

…faz lá. Faz-me a vontade, e faz de conta que não foste a lado nenhum. Teríamos ido a Londres por esta altura, ou ao Egipto? Ultimamente penso nisso todos os dias. Fomos adiando tanta coisa…sonhos que deixaram de ser, esperanças que já não são. Fomos adiando tudo porque íamos viver para sempre.

E depois veio aquele telefonema. O dia em que tudo começou a correr mal. O teu corpo atraiçoou-te e à criança que carregavas contigo. Nunca mais foste a mesma. Não chores, dizias. Se não chorares, eu não choro. Mas choraste. Choraste a vida que te tinham roubado, choraste o filho que partiu antes de nascer, choraste a perda de uma quimera. Ficaste mais calada. Sorrias menos. A gargalhada que contagiava toda a gente tornou-se uma raridade. A luta contra o monstro que trazias dentro esgotava-te, mas nunca te queixavas. Nem desistias. Raios te partam, eras teimosa que nem uma porta. Mas estavas a perder a guerra e agora que penso nisso, sinto que o sabias.

Porque não me disseste? Lembro-me da nossa conversa antes do fim-de-semana e de como parecias não estar a dizer tudo: no meio das coscuvilhices rotineiras, das novidades, dos updates, havia qualquer coisa mais que não conseguiste frasear. Em vez disso, perguntaste-me quando iria a Paris e disseste-me que odiavas a tatuagem que eu tinha acabado de fazer. Eu ri-me. Sempre foste do contra. Estava atrasada para o comboio e despedimo-nos à pressa. Prometi que te ligava no fim-de-semana. …Nunca cheguei a ligar.

Repito vezes sem conta “não era assim que as coisas deviam ter sido”. Cada dia é uma lembrança gritante de como não era assim que as coisas deviam ter sido. Saiu tudo ao contrário. Não sei o que odeio mais: a ti por partires e me deixares sozinha, a falta que me fazes ou não ter podido salvar-te. Porque não pude salvar-te? Eu quis, mas tu não esperaste por mim. É demasiado tarde, disseram. E eu chamei-te, e gritei, mas tu não respondeste. Já não eras. Como foi? Sentiste-te leve? Envolvida por uma tranquilidade branca e morna? O teu bebé estava à tua espera? Para onde foste? Responde lá, que mal pode fazer? Eu não digo a ninguém…

Não me deixaram ver-te. Odiei-os a todos – não perceberiam eles que tu eras minha também? Percebiam, diziam. Não me faria bem. Para o diabo com isso, com as convenções, com o que me faz bem! Eu precisava de ti, da tua mão na minha, dos teus conselhos, de te abraçar e implorar-te que voltasses… precisava de ti para ultrapassar a falta de ti, mas não te tinha! Tive que reaprender-me, perspectivar-me sem ti. Conceito da treta. Falta-me um bocado. Que se faz com isso?

Diz-me, onde está agora o teu Deus? Deixa-me falar-Lhe, quero que me responda a umas quantas coisas e quero dizer-Lhe umas quantas verdades. E inscrevê-lo num curso qualquer, daqueles que ensinam as pessoas a rever as suas escolhas e a recuperar o sentido lógico. Quero gritar-Lhe o que não posso gritar na rua, porque já passou muito tempo e parece mal. Não, na rua, com os outros, não posso gritar que me fazes falta e que dói. Mas com Ele posso e Ele deixa. E eu preciso.

Sei que me vês, à noite, quando me deito, quando fecho os olhos com muita força, e Lhe peço que te dê um passe, um visto, uma autorização qualquer - sei lá como é que isso funciona! - para me vires ver. Prometo que não digo a ninguém… Vá lá. Quando abro os olhos não vejo nada para além da silhueta desvanecida da mobília, da luz pálida e inerte a intrometer-se pelas frestas das portadas da janela. Fecho os olhos outra vez e murmuro: Vá lá, vá lá… só desta vez... E repito, uma vez e outra até adormecer. Não importa se não é hoje, ou amanhã. Não me preocupa o tempo que demore. Há-de haver uma vez. Sei que há-de haver uma vez em que vais estar lá.

Friday, January 29, 2010

Smile



"Smile
tho' your heart is aching,
Smile even though it's breaking
When there are clouds in the sky
You'll get by
If you smile through your fear and sorrow,
Smile and maybe tomorrow
You'll see the sun come shining through
For you.

Light up your face with gladness,
Hide ev'ry trace of sadness,
Altho' a tear may be ever so near,
That's the time you must keep on trying,
Smile, what's the use of crying?
You'll find that life is still worthwhile,
If you just smile..."


Charles Chaplin (1889-1977)

Tuesday, January 12, 2010

Se fores de manhã, não me acordes.


“Quero um amor tão doentio que o bom-senso o proíba.”
Autora anónima, terrivelmente talentosa


Se fores de manhã, não me acordes.

Nem sequer me toques. Não quero que o dia comece com a sensação dos teus dedos frios a percorrerem-me a face, anunciando-me que te vais. Nem quero que a visão de ti saindo seja o primeiro momento da manhã. Dispenso ficar rabugenta assim que começa o dia. Não, não me acordes.
Quero acordar quando já não estiveres, quando os lençóis já não retiverem nenhum do teu calor, pista nenhuma de que ali dormiste. Quero demorar-me no banho o tempo que me apetecer, não ter que me apressar para que também tu não chegues tarde. Quero levar o meu tempo a maquilhar-me, a escolher a roupa. Quero fazer café só para um e quero fazer as palavras cruzadas. Tu e essa tua mania de me roubares as palavras cruzadas! Também as fazes a caneta, e depois não as posso fazer eu!

Porque tens de ser tão parecido comigo? Vieste assim, sem eu dar conta, e agora fundiste-te em mim, não sei onde começo eu e acabas tu, não sei quando vivo para mim ou para ti, ou para os dois, abomino a palavra “nós”.
Já não te suporto. Detesto que o teu cheiro fique a pairar na minha pele, no meu cabelo, lembrança constante de que te pertenço. Detesto que me compreendas, como se tudo o que eu digo fizesse todo o sentido e restaurasse a ordem no caos. Detesto que sintas a minha falta e eu a tua. Detesto ver os teus óculos na mesa-de-cabeceira, como se pertencessem ali. Detesto que o gato se enrole nas tuas camisolas. Grandessíssimo traidor. Detesto que agora estejam sempre duas chávenas na mesa de pequeno-almoço, como se fosse lógico a unidade ser a junção de duas metades… Não é, garanto-te que não é!

Quero-te tanto que já não te quero, e quero tanto que fiques longe que não suporto a tua ausência. Não quero que me acordes de manhã, mas quero que voltes à noite. Quero que acabes com a ansiedade que se apodera de mim quando penso que hoje podes não vir. Quero que o gato ronrone ao reconhecer-te quando entrares por essa porta. Quero que largues tudo ao entrar e me abraces, como se não me visses há mil vidas, como se não houvesse amanhã, como se a manhã nunca fosse chegar. Quero sentir os meus dedos no teu cabelo, os teus lábios na minha pele, as minhas mãos no teu rosto, as tuas puxando-me de encontro a ti, e o mundo sermos tu e eu e depois acabar no precipício… Quero adormecer quente nos teus braços, com a chuva a tamborilar na vidraça, os teus dedos a brincar com os meus, o teu respirar no meu ouvido, no meu pescoço.


Quero que fiques.
Quero que a noite dure eternamente, esta escuridão bruxuleante que me ilumina a alma, este tempo parado que me alimenta a fome de ti, este estremecer que me abala até às profundezas de mim…
Nunca deixes de vir, porque eu vou estar à tua espera. O gato vai estar à tua espera.


…mas se fores, de manhã, não me acordes.

Monday, December 07, 2009


"And I know you're shining down on me from Heaven,
Like so many friends we've lost along the way,
And I know eventually we'll be together...

Sorry, I never told you, all I wanted to say."

Tuesday, December 01, 2009



“Minha alma procura-me mas eu ando a monte
Oxalá que ela nunca me encontre.”
Fernando Pessoa


Estou cansada.
Quero deixar tombar a cabeça e sentir o corpo inerte seguir-se-lhe, caindo no leito. Quero tirar partido de estar imóvel, tomando consciência de todo o centímetro de mim, dos ângulos estranhos que os membros formaram no meu desmoronar, da sensação do lençol na minha pele, das pestanas a roçar na almofada, do frio nas pontas dos dedos. Quero seguir com o olhar as partículas dançantes no feixe de luz que se intromete pela fresta da janela aberta, pequenos mundos e universos que rodopiam numa coreografia silenciosa e deslumbrante. Quero sentir o cheiro do incenso, das maçãs, do ar gélido da manhã.


Quero sentir-me e ter certeza que sou completa, que sou eu e mais ninguém. Que não tenho que ser o que esperam que eu seja, ou fazer o que é expectável que faça. Quero que me deixem arriscar, que não me tentem persuadir a jogar pelo seguro, a tomar esta saída da estrada em que sigo porque não se sabe quando aparecerá outra, e é melhor ter esta saída que não ter nenhuma. Quero seguir em frente enquanto me apetecer, escutar o coração e tomar o caminho que ele me disser para tomar. Quero ter a certeza que quando decidir tomá-lo será em prol de mim. Não quero ser metade; quero ser inteira. E percebo agora que para isso terei de fazer-me surda, terei que ser louca na minha medida, abafar as vozes que me perseguem e pressionam a ser racional e escutar o coração mais vezes.


Isso. É isso. Assim reúno forças que me permitem erguer, afastar o cabelo da cara, abeirar-me da janela e dizer, ao contemplar um dia agreste de Dezembro: “hoje vou ser feliz”.

Saturday, September 05, 2009

Saudade


Hoje sonhei contigo.

Era um fim-de-tarde cinzento de Outono. Talvez não muito distante. Entrei em casa a tempo de me abrigar da trovoada que rebentara e do vento que fustigava tudo lá fora. A casa, deserta e silenciosa, estava mergulhada na penumbra. Tirei o casaco. Fui ao escritório e larguei as chaves de casa em cima da secretária. Dirigi-me às escadas.

Foi então que ouvi. Uma tosse leve, lá em baixo, na sala… Parecias mesmo tu. Mas eu sabia que não podias lá estar… E, no entanto, desci imediatamente as escadas, para ir ver. Ao chegar ao fundo delas, deparei-me com a sala, totalmente envolta na escuridão.

Chamei: “Avô?”. E acendi a luz.

E ali estavas, no sofá do costume. Olhaste para mim, sorriste aquele teu sorriso reconfortante e disseste: “Pediste tantas vezes que te viesse ver, filha… Estou aqui.”. Corri para ti, entre lágrimas e gargalhadas, e abracei-te. Quis que prometesses que não partirias; disseste-me que tinhas muitas saudades, mas que só podias ficar comigo até adormecer. Quando eu despertasse já terias ido embora. Conversámos por horas, até que adormeci com a cabeça nos teus joelhos, enquanto me afagavas o cabelo.

E hoje acordei em paz.*
"Nunca se esqueça, nem um segundo
Que eu tenho o amor maior do mundo
Como é grande o meu amor por você..."

Tuesday, June 30, 2009

Drink it in.


"Did you say it?
I love you, I don't ever want to live without you, you changed my life.
Did you say it?
Make a plan. Set a goal. Work toward it. But every now and then, look around.
Drink it in. 'Cause... this is it. It might all be gone tomorrow."



Há sempre amanhã. Há sempre depois. Há sempre “daqui a pouco” e “até logo”.
…Não, não há.

Somos tão céleres em reconhecer que a vida é curta, em citar Horácio, em ceder os 5 minutos de choque da praxe ao saber da morte de alguém. E tão mais céleres ainda em não retirar qualquer tipo de sabedoria prática disso. Claro, falamos de aproveitar mais o tempo que nos é dado, de viver como se não houvesse amanhã, mas assim que o nosso pensamento se ocupa com outro tema…são apenas palavras atiradas ao vento. Talvez a perspectiva de perder tudo, todos, algo ou alguém que significa tanto para nós apenas tenha capacidade de produzir um sobressalto limitado. Talvez seja apenas um fenómeno bioquímico, fisiológico. Mas não deixa de ser incrivelmente estúpido.

Olha à tua volta. E se tudo o que vês não passasse de hoje?
Os teus sonhos e ambições? Os teus pertences? As tuas memórias, a tua saúde? As pessoas que amas? Mãe, Pai, irmãos, avós, tios, primos, amigos de infância, amigos de todos os dias, amigos para sempre, namorada, namorado ou marido, mulher? Tenta imaginar, por um momento só, que a tua vida, ou algum aspecto dela, acaba por ser totalmente diferente do que imaginaste. Que certas pessoas não te acompanharão para o resto da vida. Que não vais ser saudável para sempre. Que os momentos que idealizaste são arruinados. Que perdes o que levaste uma vida a construir.
Essa sensação de aperto, de frio no estômago? Chama-se “ter-noção-do-quão-efémero-e-inconstante-tudo-realmente-é”.

Temos tanto a perder… e nunca perdemos uma vez só. Ultrapassar uma provação, um momento difícil, não nos concede a graça de nunca mais termos que sofrer na vida. Não sofremos cada um o seu quinhão, por assim dizer. Estamos condenados a que algumas coisas más nos aconteçam, nem que seja pela natureza finita da vida humana; por vezes, até, essas coisas podem suceder-se mais rapidamente do que conseguiríamos prever… o mundo não espera até que sares das tuas feridas. Já pensaste nisso?

Não são palavras amargas, são palavras de quem também já perdeu um pouco de si, mas tem a humilde ambição de conseguir sorver todos os bons momentos de um dia, de lhes dar valor, e de dar graças pelas pequenas coisas. De dizer às pessoas que lhe são importantes o quão profunda e verdadeiramente as ama, o quão lhe é doloroso imaginar que não as vai ver amanhã, o quão grata está por tê-las na sua vida.
Ainda não consigo fazer isso tudo. Mas gostava de lá chegar. E gostava que todos quantos me são próximos lá chegassem também.

Fecha os olhos. Dá-me a mão. …vamos fazer um esforço?

Friday, September 14, 2007

Se é verdade que uma imagem vale mais que mil palavras, também é verdade que ainda não tinha usado esse "lugar-comum" neste blog. Só que andei a remexer em velhas fotos e encontrei esta relíquia... e esta foto convence-me desse cliché: hoje acredito que é possível que uma imagem tão pequena e já um pouco desbotada consiga concentrar todo o amor, dedicação e adoração de uns pais por uma filha... e pelo qual eu posso apenas estar grata.

Amo-vos muito*

Monday, August 20, 2007


E veio o dia. E eu fugi.

Fugi para longe, correndo até não poder mais, deixando tudo para trás, até perder de vista, e mesmo assim parecia nunca ser longe o suficiente. E não foi... E não foi...

Quando parecia ter a alma em sossego, mergulhada no verde dos prados e na imensidão azul do céu, alguém ateou fogo ao meu coração… Parecia que o sentia mirrar; senti como se me tivessem atraiçoado, como se um poder mais alto, com laivos de perfídia, tivesse estado a jogar xadrez com o que sentia, permitindo que me sentisse a salvo, apenas para que o golpe seguinte doesse mais…

O que é que faço agora? Como é que se reaprende a viver quando tiramos pessoas que amamos da equação? Não consigo deixar de pensar que é errado que algum dia me volte a sentir feliz… Como é que eu faço isso, quando perdi tanto em tão pouco tempo?

Não tenho respostas, nem resistência. Queria poder acordar de um simples pesadelo, mas não posso. Queria tê-los de volta, mas é impossível. Queria que alguém me ensinasse o que fazer com esta dor e revolta, mas tenho que aprender sozinha.

Não consigo exprimir bem o que me vai na alma; nem sei se quero, de tão negra que a sinto. Talvez, daqui a muito tempo, a mágoa drene. Talvez eu venha a poder dizer que já não sinto dor porque “eles não quereriam isso”. Por agora quero chorar. Quero levar-lhes as rosas de que tanto gostavam; sei que as não podem cheirar, mas quero levá-las mesmo assim. Quero que chova, que o céu os chore e, de caminho, talvez a chuva lave a raiva e tudo mais.

Friday, May 11, 2007

the sense of touch...


“It’s the sense of touch. (…) Nobody touches you. We're always behind this metal and glass. I think we miss that touch so much that we crash into each other just so we can feel something.”

Quanta verdade há nisto…

Quantas vezes nos encontramos rodeados de gente, só para descobrir que, no fim de contas, estamos sós? Quantas vezes os nossos gritos caem no vazio, de tanto que os que nos rodeiam são surdos ao nosso clamor? Quantas vezes a solidão e o pavor se apoderam de nós, quais tentáculos negros que surgem da escuridão – daquela escuridão que nos persegue sem cessar, à qual lançamos olhares por cima do ombro, na esperança de que se tenha desvanecido… - e ninguém se dá conta?

Ao andar pela rua, apercebemo-nos: as pessoas não se cumprimentam, não sorriem, não se tocam – na verdade, desviam-se umas das outras ainda a metros de distância. Quanto daríamos para que alguém nos sentisse, alguém nos visse, se desse conta? É por isso que dá tanta vontade de ir contra alguém no meio da rua… apenas para ter a certeza de que existimos de facto. É esse o valor do toque

Quantas vezes nos sentimos qual bote frágil ao largo da costa, cada vez mais longe da praia e do farol, cuja luz se perde no horizonte, extinguindo consigo a esperança que restava? Quantas vezes esse bote enfrenta as borrascas e as rochas, sem leme ou remos, e somos nós os únicos a bordo dele, quando parecia tão cheio noutras ocasiões?...

E às vezes dá vontade – tanta vontade - de ceder… Que o bote se estilhace enfim contra os rochedos, que enfim a água escura nos engula, trazendo uma quietude libertadora… Lá no cimo, os trovões rugem e os relâmpagos cintilam, mas não perturbam a paz gélida do mar…
E flutuo… Descendo levemente em direcção ao abismo. O meu olhar deixa o tumulto à superfície para encarar o negrume debaixo de mim… E já não importa que me engula, que me abarque e faça desaparecer, pois trará a calma… Em breve, nada importará, nada trará dor…

Mas vem um estertor, um espasmo…e o corpo nega-se a ceder. As pernas movem-se vigorosamente, os braços gesticulam, os pulmões pedem ar… Só mais um pouco, só mais um esforço… A água enche-me a boca e no minuto seguinte a minha cabeça irrompe por entre as ondas, o rosto fustigado pela espuma… e acordo sobressaltada, debruçada sobre a mesa onde adormeci.

O gira-discos arranha rouca e incessantemente a canção celta. Lá fora a tempestade ruge, e o vento uiva e fustiga as janelas e os acordes da música combinam com aquele cenário. A casa, única na praia, suporta as investidas sem queixume, habituada à areia e ao sal. O bote permanece, apesar da violência das ondas, intacto, amarrado ao cais de madeira. Da janela vejo o farol; a luz é forte e constante e, de súbito, enche-me de conforto. Sorrio, apago a luz da candeia, e vou dormir.

Friday, April 20, 2007

"Se uma gaivota viesse..."


Sexta-feira e o sol que se põe em Lisboa.

Espreito da minha janela - a cidade, vista de um 3º andar, parece expirar de alívio, depois de um dia de que só resta o cansaço. Às vezes, nestes momentos, parece que o tempo pára. As ruas, vistas cá de cima, parecem mergulhadas numa inércia flutuante que não consigo descrever. As pessoas parecem andar mais direitas, como se a Sexta-feira lhes trouxesse o alívio das cargas que transportam todos os dias. …Não que o dia seguinte seja muito melhor – mas há qualquer coisa de mágico no cair da tarde de uma Sexta-Feira.

Seja porque traz a sensação (por vezes equívoca) de dever cumprido, em mais uma semana que chega ao fim, ou porque é rodeada do “feeling” fervilhante da antecipação do que se reservou para essa noite ou para os próximos dias. Talvez seja apenas a possibilidade de, por uma vez, na semana inteira, ou em várias semanas, quem sabe, chegar a casa e deixarmo-nos cair no sofá, sem que ninguém nos lembre que há algo urgente a requerer a nossa atenção. Talvez seja o reencontro – famílias, amigos, namorados, namoradas... – pessoas que a semana nos roubou, reclamando o nosso tempo para “coisas mais importantes”. Para outros talvez seja a solidão, o sossego que a semana roubou por ser demasiado agitada.

Seja o que for… Gosto de olhar as pessoas que ainda cruzam as ruas a esta hora… gosto de tentar ver para lá do que vejo, saber o que as move, o que gostam no cair da tarde e para quê ou para quem têm pressa de voltar, correndo tão apressados, e ao mesmo tempo com um vislumbre de um sorriso na face… A florista, na esquina, com o carrinho ambulante, prepara tudo para voltar para casa, onde a esperam os filhos e o marido. O senhor, engravatado, homem novo, dirige-se para o parque de estacionamento, pensando que tem que levar o cão à rua. A rapariga, da minha idade, com uma braçada de livros, que, ao chegar a casa vão ser atirados para um canto. Gosto de olhar para eles e tentar perceber afinal porque gosto eu do cair da tarde ou o que me move a mim. Fico assim, observando, até as luzes da cidade se começarem a acender. A esquina está deserta. Olho para o céu, lusco-fusco, e percebo que ainda não foi desta que descobri. Não faz mal. Para a próxima, talvez.

Há qualquer coisa de mágico no cair da tarde de uma Sexta-Feira. Enquanto o sol desaparece, fecho os olhos, inspiro o ar fresco que anuncia a noite que se aproxima; e quase - quase - consigo ver a fadista naquela esquina, esquecida pelo tempo, que se enrola no xaile negro e atira a cabeça para trás, rouquejando: “Se uma gaivota viesse... trazer-me o céu de Lisboa…”

Friday, April 13, 2007


Ter alguém que adivinha o que nos vai na mente, que nos entende sem que seja preciso explicar ou sequer verbalizar, que nos surpreende dia-a-dia, que com um abraço cura todas as maleitas do mundo, que sem dizer nada ou apenas por se sentar ali ao lado nos faz sentir menos sozinhas, que percebe a magnitude de uma lágrima ou de um silêncio, que sabe dizer a diferença entre cada uma das nossas expressões ou tons de voz ou sorrisos, que partilha as nossas preocupações e alegrias, as nossas angústias e desesperos, a nossa dor e o nosso choro, as nossas euforias e os nossos risos, todas as horas, todos os dias...tornando-se indissociável de quem nós somos.

Que preço tem isso?

...não faço ideia, mas eu devo ser muito, muito rica.

Sunday, December 31, 2006

Goodbye

"A morte é a ladra que leva as pessoas para sempre quando ainda há coisas para dizer e fazer..." (AnaLu* Catarino)

"You were once my one companion
You were all that mattered. . .

You were once a friend and father
Then my world was shattered. . .

Wishing you were somehow here again
Wishing you were somehow near. . .
Sometimes it seems if I just dreamed,
Somehow you would be here. . .

Wishing I could hear your voice again
Knowing that I never would. . .
Dreaming of you won't help me to do
All that you dreamed I could. . .

Passing bells and sculpted angels,
Cold and monumental,
Seem, for you,the wrong companions
You were warm and gentle. . .

(...)
Wishing you were somehow here again. . .
Knowing we must say goodbye. . .
Try to forgive, teach me to live. . .
Give me your strength to try. . .

No more memories,no more silent tears. . .
No more gazing across on wasted years. . .
Help me say... goodbye."

Sunday, October 15, 2006

The Dark Side


Não há muito tempo, num daqueles muito raros dias que tenho para não fazer nada, sentei-me (ou esparramei-me) no sofá a ver televisão. Enquanto fazia um curto “zapping”, houve um documentário a chamar-me a atenção. Focava a natureza psíquica do homem, através de uma experiência conduzida por vários cientistas. A várias pessoas era dada a tarefa de monitorizar exames orais de alguns alunos da faculdade. Ouviam todo o exame numa sala aparte, sem ver nada do que se passava na sala de exames. Se o aluno desse uma resposta correcta, o exame prosseguia; caso contrário, a pessoa deveria carregar num botão e era-lhe administrado um electrochoque. Se continuasse a dar respostas erradas, a potência desse choque aumentava. Claro que isto não era real, o que as pessoas ouviam eram as vozes de actores contratados. Mas o que chocou os cientistas foi que, mesmo face aos gritos de dor e agonia que ouviam, por muito incomodadas com a situação que se pudessem sentir…as pessoas não deixavam de carregar no botão.

Mais do que às vezes pensar em como a natureza humana me consegue surpreender positivamente, penso muitas vezes no seu “lado negro”. Fico, mais que espantada, fico horrorizada com o que o ser humano é capaz de fazer, e com o que é capaz de fazer a outro ser humano.

Ao longo da História da Humanidade são recorrentes os exemplos daquilo de que falo…

Durante o império romano, o Coliseu era palco de perfeitos massacres…tudo para diversão da multidão! E assim foi durante séculos!

Quando, em 1519, Cortez e os seus homens chegaram a Tenochtitlan, o povo azteca e o seu imperador Montezuma II acreditaram que fosse o deus Quetzacoatl, pela sua pele branca e pela sua vinda coincidir com o ano em que a profecia que dizia que Quetzacoatl deveria regressar. Trataram-no com honras e Montezuma beijou-lhe a mão. O que se passou a seguir foi uma autêntica carnificina. O imperador Montezuma foi assassinado, e muitos aztecas escravizados, tratados com extrema crueldade e até assassinados.

Há também o exemplo recorrente do Holocausto, ao qual ninguém é indiferente…. Ainda hoje há quem trema, ou chore, ou se sinta invadido por um enorme temor, ou pelo menos asco, ao ouvir os nomes de Auschwitz, Treblinka, Belzec, Chemno, Majdanek…ou de Dachau e Belsen… Tudo em nome de uma vontade irracional de criar uma raça pura, como se alguém tivesse o direito de decidir quem é digno ou não de viver. Tudo porque uns quantos loucos julgaram que exterminar pessoas era a “endlösung der judentrage” – a “solução final da questão judia”. …como se houvesse sequer uma “questão” e eles tivessem o direito de o fazer.

Podia estender-me infinitamente sobre este assunto, há a questão da escravatura, há a questão dos assassínios brutais, dos psicopatas, até do Estripador, Gilles de Rais ou Erzsebet Bathory de Csejthe…há tantas outras coisas, que o espaço definitivamente não me chega.

Se alguém tem dúvidas sobre o quão negra é a mente de todo o ser humano, bem lá no fundinho…basta olhar para o exemplo das crianças, que não têm problemas em matar um animal, arrancar as asas a uma mosca, bater num cão ou noutra criança…até uma certa idade. Porque a partir daí, absorvemos o que a sociedade nos diz que é certo e errado, e aprendemos a controlar e a julgar esse lado negro por esses parâmetros. …Uns mais que outros. Mas o facto é que o mantemos.

Acho que não encontrei nada que exprimisse melhor isto do que esta citação:

“As trevas precederam a luz, o inferno precedeu o céu. Para que o homem compreenda (…), é sobre este abismo que deve ousar debruçar-se… e ver.”

E ver. Pode ser que nos arrepiemos. E que aprendamos alguma coisa.

Saturday, April 22, 2006

Home is where your heart is

Porque já mereciam este espacinho - as pessoas que me fazem sentir em casa quando estou longe de Coimbra.

Alguém disse um dia, "Home is where your heart is"... E, de facto, já sinto que tenho duas casas, pois o meu coraçãozito está repartido entre Lisboa e a Cidade dos Estudantes, muito em parte devido a estas pessoas... A coisa resume-se a que quando deixo Coimbra já não me custa tanto, e quando deixo Lisboa parece que deixo alguma coisa para trás...

Embora este seja o post mais pequenino que já escrevi, não deixa de ser sentido, e creio que eles sabem o que pretendo dizer: agradeço-vos por tudo, pelos conselhos, pela companhia, pelas brincadeiras... :) pelo dia-a-dia naquela casa, que me ajudou a ter força para crescer e lutar pelos meus sonhos.

A todos, um beijinho grande - GOSTO IMENSO DE VOCÊS! :)

"E quando à tua frente se abrirem muitas estradas e não souberes a que hás-de escolher, não metas por uma ao acaso, senta-te e espera. Respira com a mesma profundidade confiante com que respiraste no dia em que vieste ao mundo, e sem deixares que nada te distraia, espera e volta a esperar. Fica quieta, em silêncio, e ouve o teu coração. Quando ele te falar, levanta-te, e vai para onde ele te levar..." Susanna Tamaro

Thursday, March 16, 2006

"Tu me manques..."


Não deves pensar muito nisso, agora que nos vemos tão pouco… ou nada.

Mas queria dizer-te… queria que soubesses que ainda me custa levantar todas as manhãs.
Porque antes sabia, e levantava-me com a certeza de que estarias lá, e de que te encontraria… às primeiras horas da manhã, às pausas para o café, a cada intervalo… Fazias parte da minha rotina, da minha felicidade. Ver-te, brincar contigo, passear contigo, discutir contigo, conversar contigo… E era uma coisa que só nós conhecíamos e entendíamos, aquela amizade entre os dois, aquela cumplicidade que fazia com que nos entendêssemos com um olhar... Era um sentimento que me enchia o coração, com a certeza de que nunca mais te esqueceria e de que por muito que um dia quisesse, nunca mais te conseguiria separar da minha vida.

…Mas agora... levanto-me e sei que, aonde quer que vá, não te vou encontrar… dou comigo a olhar rostos na rua à procura do teu… presto atenção às vozes, na esperança de te ouvir chamar por mim… sinto-me triste, porque só te vejo em fotografias que parecem ter sido tiradas há demasiado tempo… Parece que a nossa amizade ficou submersa ou encoberta… como o sol atrás das nuvens…

Foi realmente assim há tanto tempo? Que podíamos contar um com o outro? Que contávamos tudo um ao outro? Que estávamos juntos, que nos víamos, que ríamos e parecia que tendo essa amizade e a vida pela frente não precisávamos de mais nada?

…Acredita que não há uma noite em que não pense, ao deitar, “ o que é que nos aconteceu?” …ou “o que estarás a fazer agora?”… às vezes até mesmo que não te reconheceria se passasses por mim… E isso assusta-me.

…Onde estás? Aquela pessoa que conheci e que ainda hoje faz parte da minha vida, de quem eu gostava, a quem eu adorava… E que adoro. Será que ainda me recordas? Sentes falta das nossas conversas, das nossas coisas, como eu sinto? …Sentes a minha falta como eu sinto a tua?

Talvez já não… Talvez já nem te lembres da minha cara ou da minha voz… talvez já seja apenas uma memória poeirenta no teu armário… talvez faça suposições a mais e talvez isto já não faça sentido… Acho que só precisava dizer o que sinto.

No fundo, acho que só queria dizer-te… “tu me manques”.

Saturday, February 25, 2006

"Love is a force of nature..."


Aqui há tempos falei com a minha Aninhas (enas! :p ) na sequência de termos ido ao cinema; uma conversa longa e profunda, que nem toda a gente se atreve a ter por preconceito – é que, já se sabe, é mais fácil não falar das coisas do que admitir que possam realmente ser factuais.

Fomos ver “Brokeback Mountain”… e juro que ando impressionada com a repulsa em torno deste filme. Não entendo o que as pessoas têm contra um filme sobre uma relação homossexual… Parece-me que deve ser mais fácil repudiar um filme (repudiando representativamente tudo o que nele se encontra implícito) do que admitir que a realidade se possa assemelhar um pouquinho que seja “àquilo”. Olho à minha volta para ver pessoas a dizer (por exemplo) “Credo, EU, pagar para ir ver um filme de cowboys gays??!!”

Mas afinal porquê? Que mal tem? Porquê esta manifestação homofóbica, porquê tanta raiva? Quem ditou que o amor era estrito e tinha regras? Não se diz que a base do amor é ser desprovido de razão? Porque é que é tão absurdo que duas pessoas se amem independentemente de estatuto social, cor de pele ou até sexo?

Este filme é a história de duas pessoas que, por causa de preconceitos estúpidos como este, nunca puderam “expor-se”, partilhar a sua vida em público, perante toda a gente… porque sabiam o quanto seriam recebidos com hostilidade. E embora tudo se tenha passado há mais de 40 anos, tudo nela se mantém tão aterrorizadoramente actual… que até impressiona!

Todos os dias se suicidam adolescentes que não conseguem suportar a agústia de assumirem a sua sexualidade perante uma sociedade homófoba e hostil… violenta até. E isso é justo? Que o preconceito se imponha ao livre arbítrio que uma pessoa tem sobre a sua vida? Se uma pessoa ama… que direito tem o mundo de lhe dizer que não tem o direito de amar?

Tudo isso me revolta e enche de raiva… Só consigo louvar a coragem destes autores, realizadores e actores, pois estão a marcar uma posição, mesmo em minoria.
No fundo o filme é uma belíssima crítica… E acima de tudo, digam o que disserem… é uma belíssima história de AMOR.

Sunday, January 15, 2006

Para recordar



Tenho cá para mim que nunca mais nos vamos esquecer da brilhante noite de 5ª Feira... =)

Seja por ter sido a nossa primeira GRANDE noite de turma, ou pelas peripécias da mesma, foi uma noite memorável.
Vamos sempre recordar o delírio de cantar o "Tata Budha" em plena Pizza Hut, ou os stresses com o passe de Metro do Bernardo...
...as fotos a apertar a mão ao Pessoa, placidamente sentado na Brasileira, ou com os cartazes da campanha presidencial...
...o subir para o Bairro Alto a cantar a plenos pulmões o "Fado do Estudante" (culpa do Chico :p), com toda a gente a olhar para nós...
...o vaguear por lá durante uma hora até nos decidirmos a entrar onde quer que fosse...
...a desconfiança com que olhámos as suspeitas cortinas vermelhas no "7º céu" (que afinal eram a entrada para o WC) e às quais a Muffy deu com a carteira (só para prevenir... =p )...
...os copos que se partiram no dito bar e os (duvidosos) filmes que passavam...
...os "parabéns" à Muffy e ao Chico pelos 2 anos e meio de namoro e a "inocência" do Patrick na matéria ("Ah és tu que fazes anos?")...
...as combinações dos táxis e as despedidas...
...e, finalmente, quais "Cinderelas", o irmos todos "podres" no dia seguinte para a aula de Bioquímica.

Foi uma noite só; mas muito embora as aulas do dia seguinte pareçam ter-nos remetido para o facto de que a realidade não é aquela, e sim, uma realidade cinzenta, somente feita de trabalho e deveres... podemos escolher saborear a vida de outro modo.

A realidade, a própria VIDA não tem de ser tão cinzenta assim... É colorida com amizades, convivências, devoção e recordações... Connosco, suspeito que esteja apenas a começar uma longa jornada desse tipo... =) ...e esta é mais uma recordação que me vai aquecer o coração.

Se isto fosse um filme, e tivesse de acabar com esta ideia, punha uma câmara a afastar-se na altura em que "rumámos ao desconhecido" rua acima, todos juntos, cantando a plenos pulmões...

"...Invoco em mim recordações
Que não têm fim dessas lições
Frente ao jardim do velho CAMPO DE SANTANA!..."

...terminando sob os telhados de Lisboa, com a Lua e as estrelas a iluminar o nosso caminho.