Tuesday, January 12, 2010

Se fores de manhã, não me acordes.


“Quero um amor tão doentio que o bom-senso o proíba.”
Autora anónima, terrivelmente talentosa


Se fores de manhã, não me acordes.

Nem sequer me toques. Não quero que o dia comece com a sensação dos teus dedos frios a percorrerem-me a face, anunciando-me que te vais. Nem quero que a visão de ti saindo seja o primeiro momento da manhã. Dispenso ficar rabugenta assim que começa o dia. Não, não me acordes.
Quero acordar quando já não estiveres, quando os lençóis já não retiverem nenhum do teu calor, pista nenhuma de que ali dormiste. Quero demorar-me no banho o tempo que me apetecer, não ter que me apressar para que também tu não chegues tarde. Quero levar o meu tempo a maquilhar-me, a escolher a roupa. Quero fazer café só para um e quero fazer as palavras cruzadas. Tu e essa tua mania de me roubares as palavras cruzadas! Também as fazes a caneta, e depois não as posso fazer eu!

Porque tens de ser tão parecido comigo? Vieste assim, sem eu dar conta, e agora fundiste-te em mim, não sei onde começo eu e acabas tu, não sei quando vivo para mim ou para ti, ou para os dois, abomino a palavra “nós”.
Já não te suporto. Detesto que o teu cheiro fique a pairar na minha pele, no meu cabelo, lembrança constante de que te pertenço. Detesto que me compreendas, como se tudo o que eu digo fizesse todo o sentido e restaurasse a ordem no caos. Detesto que sintas a minha falta e eu a tua. Detesto ver os teus óculos na mesa-de-cabeceira, como se pertencessem ali. Detesto que o gato se enrole nas tuas camisolas. Grandessíssimo traidor. Detesto que agora estejam sempre duas chávenas na mesa de pequeno-almoço, como se fosse lógico a unidade ser a junção de duas metades… Não é, garanto-te que não é!

Quero-te tanto que já não te quero, e quero tanto que fiques longe que não suporto a tua ausência. Não quero que me acordes de manhã, mas quero que voltes à noite. Quero que acabes com a ansiedade que se apodera de mim quando penso que hoje podes não vir. Quero que o gato ronrone ao reconhecer-te quando entrares por essa porta. Quero que largues tudo ao entrar e me abraces, como se não me visses há mil vidas, como se não houvesse amanhã, como se a manhã nunca fosse chegar. Quero sentir os meus dedos no teu cabelo, os teus lábios na minha pele, as minhas mãos no teu rosto, as tuas puxando-me de encontro a ti, e o mundo sermos tu e eu e depois acabar no precipício… Quero adormecer quente nos teus braços, com a chuva a tamborilar na vidraça, os teus dedos a brincar com os meus, o teu respirar no meu ouvido, no meu pescoço.


Quero que fiques.
Quero que a noite dure eternamente, esta escuridão bruxuleante que me ilumina a alma, este tempo parado que me alimenta a fome de ti, este estremecer que me abala até às profundezas de mim…
Nunca deixes de vir, porque eu vou estar à tua espera. O gato vai estar à tua espera.


…mas se fores, de manhã, não me acordes.

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