Tuesday, May 29, 2012

Da tua ausência

"No light, no light in your bright blue eyes (...)
You can't choose what stays and what fades away 
And I'd do anything to make you stay 
No light, no light, tell me what you want me to say." 
[Florence + The Machine] 


Sinto-me oca. Estou sentada no chão, encostada ao tronco rugoso e quente de um carvalho, e sinto-me oca. O outono da minha alma cobriu-me de folhas secas. Pareço uma boneca de trapos, mas cheia de folhas secas. Sinto frágil o meu coração, as suas paredes de folhas carcomidas e crepitosas, que britam um pouco mais com cada sístole. Não ejecta sangue, já não sobra nenhum. Só ar. O meu cabelo são folhas que se desfazem sobre os meus ombros e vão caindo no meu regaço, onde tenho pousadas as mãos, pálidas de não haver sangue que lhes chegue. A cor dos meus olhos são folhas partidas: secam e ferem o olhar, que deixei fixo no vazio, um olhar de folhas mortas, de esperanças iludidas e remorso. 

Ficou tanto – tudo! – por dizer. Se te encontrasse agora ficaria muda, sufocada por todas essas coisas que ficaram por dizer. Engraçado como achamos que tudo se diz na troca de um olhar. Engraçado, não, na verdade não tem piada nenhuma. Mas a nossa sofreguidão faz-nos querer beber avidamente as pequenas (in)certezas de um olhar, de um toque, de um sussurro, sem disputa ou argumento. O que se faz, então, quando percebemos que estivemos o tempo todo a morrer à sede? 

Se pudesse, dir-te-ia o quão sinto a tua falta, talvez mais do que deveria. Dir-te-ia que te vejo em todo o lado – na televisão, no trabalho, na rua – e que desanimo por nunca te ver. Dir-te-ia que cada vez que a Florence ou o Caetano cantam no rádio do meu carro me lembro de ti, só de ti, vezes sem conta. Dir-te-ia como lamento ter-te ferido. Acreditarias se te dissesse que me arrependi instantaneamente? Provavelmente não. A angústia de te ver olhar para mim assim – incrédulo, zangado! – assalta-me sempre que fecho os olhos. Quis impedir-te, chamar-te, gritar-te que esperasses e me deixasses explicar, mas tu saíste, sem a esmola de uma palavra sequer. Procurei-te por todo o lado. E quando te encontrei não fui capaz de te dizer o que queria, que fora tudo um mal-entendido, que não tinha querido dizer aquilo, que me perdoasses, que estava apaixonada por ti. …e como estava apaixonada por ti naquela altura! 

Penso se alguma vez me quiseste e o monte de folhas no meu peito amarfanha-se um pouco mais no vazio que são agora os meus dias. As minhas estações transformaram-se todas em outonos. As recordações sucedem-se no desenrolar lento do tempo e com elas as perguntas que ficaram sem resposta. Ocupo os meus segundos revivendo cada momento, uma e outra vez em busca dessas respostas que não tive e o monte de folhas queixa-se da crueldade. A música que deixaste tocar porque eu gostava. O teu abraço. A vez em que me vieste ajudar. A fotografia que me tiraste. O toque da tua mão na minha sob as luvas. O teu sussurro no meu ouvido. A maneira como olhavas para mim, os teus olhos penetrantes com esse jeito de fintar todas as minhas camadas até me contemplares inteira, desprovida de máscaras ou rodeios. 

Mordo o lábio. Já não interessa, tudo isso se perdeu no meio do tempo que passou por nós. O tempo que tornou distantes os momentos de ontem, o tempo que afasta demasiado depressa a última vez que te vi, o tempo que passou melhor por ti do que por mim. Sinto-me ingénua por persistir na esperança quixotesca de que ainda te lembres. Ingénua. Tão ingénua. Se tivesse sangue, corava. 

Solto um gemido agonizado. O primeiro em muito tempo. O primeiro, ponto final. O desalento engrossa e adensa-se; ensopa-me, toma de assalto as minhas entranhas, transborda pelos olhos e queima-me a garganta. Tenho medo que pegue fogo ao monte de folhas no meu peito! Mas não. Apara a primeira gota dos meus olhos que o desfaz num monte de caules secos e pó. As minhas recordações também se esboroaram em pó que enche as minhas mãos sem sangue. Olho com olhos cegos as nuvens que se amontoam numa massa pardacenta no meu céu – vai começar a chover.